Este artigo apresenta a aplicação e a avaliação de um projeto para a promoção de habilidades autorregulatórias entre estudantes do ensino médio técnico. O estudo foi realizado em uma Instituição Federal de Ensino do Estado de São Paulo, Brasil. A amostra do estudo foi constituída por 35 alunos recém-ingressos que apresentavam problemas de adaptação à nova rotina acadêmica e sintomas de ansiedade. Os/As estudantes receberam sessões sistemáticas de orientação de estudo para ajudá-los a desenvolver habilidades de aprendizagem autorregulada. Os dados foram coletados por meio dos seguintes métodos: Escala DASS-21 (versão brasileira), entrevistas semi-estruturadas iniciais e finais, e observações da pesquisadora. Os resultados mostram diferentes graus de sucesso dos e das estudantes na aquisição de habilidades de autorregulação. A comparação quantitativa pré e pós-teste dos dados da DASS-21 e o Método JT mostraram uma redução dos sintomas de ansiedade em 12 e 8 estudantes, respectivamente, e a análise de variância detectou uma redução significativa no escore médio de ansiedade do grupo após o projeto. A análise qualitativa mostrou que, para a maioria dos/das estudantes, as sessões do projeto promoveram o desenvolvimento de habilidades em autorregulação da aprendizagem, melhorando aspectos como o planejamento e a organização do estudo, entre outros. Novas pesquisas são necessárias, considerando as variáveis intervenientes.
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Como Citar
Puglia, P. D., Rondina, R. de C., & Martins, R. A. (2024). Aprendizagem autorregulada e orientação do estudo: resultados de um projeto de intervenção . Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, 11(1). https://doi.org/10.17979/reipe.2024.11.1.10056
Patrícia Diane Puglia, Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Mestra pelo Programa de Pós Graduação em Ensino e Processos Formativos, Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP): https://www.ibilce.unesp.br/ São José do Rio Preto/São Paulo - Brasil
Regina de Cássia Rondina, Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Departamento de Educação e Desenvolvimento Humano (DEPEDH), Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP): https://www.marilia.unesp.br/ Marília/São Paulo - Brasil
, Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Departamento de Educação, Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP): https://www.ibilce.unesp.br/ São José do Rio Preto/ São Paulo - Brasil
Puglia, de Cássia Rondina, and Aragão Martins: Aprendizagem auto-regulada e orientação do estudo: resultados de um projeto de intervenção
A adolescência é uma etapa do ciclo vital marcada por intensas transformações biopsicossociais
(). Nessa fase da vida, a vulnerabilidade de muitos indivíduos para o início e/ou evolução
de sintomas psicopatológicos é acentuada (; ). A presença de estressores prolongados nessa fase, se associada à falta de mecanismos
não-saudáveis de enfrentamento, pode aumentar a suscetibilidade aos problemas de saúde
mental (). Em crianças e adolescentes, o estresse prolongado pode desencadear sintomas de
humor, ansiedade, dificuldades de aprendizagem, além de queixas somáticas ().
Entre as psicopatologias mais frequentes na infância e adolescência, estão os transtornos
de ansiedade (). A ansiedade pode ser caracterizada pela presença de preocupações, temores frequentes
e intensos ante a eventos cotidianos (). Crianças e adolescentes com transtorno de ansiedade generalizada tendem a se preocupar
demasiadamente com o seu rendimento escolar e/ou esportivo e a ter pensamentos catastróficos;
o que pode resultar em sintomas físicos, comprometendo as atividades cotidianas. Se
não tratado em tempo hábil, o problema pode se tornar crônico, afetando a qualidade
de vida e aumentando o risco de consumo de substâncias e/ou de comorbidades psiquiátricas
().
Entre os estressores característicos da adolescência, destaca-se o ingresso no ensino
médio; que geralmente exige um período inicial de adaptação. Há evidência de associação
entre níveis elevados de estresse e menor rendimento acadêmico no ensino médio (). Supõe-se que as dificuldades de adaptação sejam maiores nos cursos técnicos integrados
ao ensino médio em comparação às demais modalidades de ensino. Em um estudo brasileiro
com estudantes de ensino médio integrado, variáveis como excesso de atividades, cobranças
por desempenho, pouco tempo para lazer/esportes e discriminação de estudantes com
déficit de atenção, foram associadas a risco de estresse (). Possivelmente, as dificuldades típicas de adaptação, se associadas à falta de recursos
de enfrentamento, acabem aumentando a vulnerabilidade de muitos adolescentes ao estresse
e favorecendo o aparecimento e/ou evolução de sintomas psicopatológicos, como ansiedade
nessa modalidade de ensino (; ). A literatura enfatiza a importância das políticas públicas de prevenção em saúde
mental em crianças e adolescentes, como forma de prevenção. A escola vem sendo considerada
espaço ideal para ações preventivas em saúde física e mental durante a infância e
adolescência, contribuindo com o desenvolvimento de habilidades que fortaleçam fatores
de proteção e minimizem fatores de risco desenvolvimentais ().
Dentre o conjunto de habilidades necessárias às crianças e adolescentes que contribuem
para a formação integral do indivíduo, destaca-se a autorregulação da aprendizagem.
No âmbito da Teoria Social Cognitiva, caracteriza a autorregulação da aprendizagem como um processo consciente e voluntário,
que permite ao indivíduo gerenciar seus próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos.
Assim, a autorregulação é entendida como um processo complexo, que engloba subprocessos,
como o automonitoramento, julgamentos autoavaliativos e autorreações. O/a estudante
autorregulado tende a apresentar maior crença de autoeficácia em atividades acadêmicas;
a aprender mais o conteúdo estudado e a se envolver mais com os estudos, melhorando
o desempenho escolar/acadêmico (). Dois modelos teóricos vêm embasando muitos projetos de intervenção para autorregulação
nas últimas décadas: o modelo da aprendizagem autorregulada, proposto por e o modelo de Planificação, Avaliação e Execução da Aprendizagem (PLEA), de autoria
de .
O modelo de Zimmerman é composto por três fases. A primeira, considerada a prévia,
engloba processos que antecedem a aprendizagem e a realização da tarefa, e pressupõe
o desenvolvimento de habilidades como análise e interpretação da tarefa. Nessa etapa,
o/a estudante estabelece metas e seleciona estratégias de aprendizagem, traçando um
planejamento para atingir seus objetivos. Influenciam nessa etapa, aspectos como a
motivação e o senso de autoeficácia do estudante. Na segunda fase, nomeada por realização/execução,
o estudante coloca em prática o planejamento. Essa etapa envolve subprocessos como
automonitoramento e autocontrole, por meio do gerenciamento do tempo, do ambiente
físico e da atenção, entre outros aspectos. A etapa final, autorreflexão, pressupõe
a autoavaliação; neste momento o/a estudante reflete sobre o grau de eficácia das
estratégias adotadas (Zimmerman, ; ).
O modelo PLEA de consiste em um processo de natureza cíclica e interativa, pressupondo uma relação
sinergística entre as etapas. Em cada fase do PLEA estão contidas as três fases do
ciclo autorregulatório: durante o planejamento, o/a estudante analisa as demandas/tarefas,
avalia seus recursos pessoais e ambientais, traça objetivos e planeja como atingi-los;
na fase de execução, ocorre o automonitoramento, quando o/a estudante aplica as estratégias
e avalia sua eficácia e na etapa de avaliação, o estudante compara em que medida os
resultados alcançados atendem aos objetivos de aprendizagem traçados, reformulando
ou utilizando outras estratégias, se necessário.
No modelo de aprendizagem autorregulada de Zimmerman, a autoeficácia e o estabelecimento
de metas são fatores fundamentais do processo. Sendo que no ciclo (fase prévia, fase
de realização e fase de autorreflexão) a última fase pode influenciar na fase prévia
seguinte. O modelo PLEA, de Rosário, é baseado no modelo de Zimmerman. De forma resumida:
trata-se de um modelo que apresenta uma lógica processual; um modelo cíclico e flexível,
podendo ser revisto a cada fase, caso verifique-se que alguma ação não teve o resultado
esperado ().
Para que o estudante desenvolva a autorregulação, terá que desenvolver estratégias
metacognitivas, refletindo sobre como executar a tarefa. O termo metacognição foi
proposto por Flavell e refere-se ao conhecimento e regulação dos processos cognitivos
pelo indivíduo, durante a aprendizagem (Flavell et al., 1999). A metacognição está
relacionada à conscientização sobre os próprios pensamentos e é associada ao entendimento
de como os/as estudantes identificam e constroem conhecimento sobre sua própria cognição
(). A habilidade de planejar, monitorar e refletir sobre o próprio aprendizado, pressupõe
a utilização de estratégias metacognitivas (), contribuindo para a autonomia do estudante e para a escolha de estratégias adequadas
às suas características e às da tarefa ().
Atualmente, em todos os níveis de ensino, educadores incentivam o desenvolvimento
da autorregulação da aprendizagem, com o intuito de minimizar as dificuldades dos
estudantes com os desafios que encontram na aprendizagem (; ). A literatura mundial descreve programas para o desenvolvimento da autorregulação,
com delineamentos diversos (; ; ). Até o momento, não se tem conhecimento de estudos brasileiros com foco específico
na associação entre ansiedade e autorregulação da aprendizagem, no âmbito do curso
técnico integrado ao ensino médio.
Considerando o exposto, o objetivo do presente trabalho foi elaborar, implementar
e avaliar o grau de eficácia do projeto de intervenção, destinado ao desenvolvimento
de habilidades autorregulatórias em estudantes ingressantes no primeiro ano dos cursos
técnicos integrado ao ensino médio, partindo das seguintes hipóteses gerais:
As sessões de orientação de estudos possibilitarão o desenvolvimento de habilidades
autorregulatórias nos estudantes, facilitando a adaptação à nova realidade acadêmica
e aumentando o êxito na aprendizagem.
A aquisição de habilidades autorregulatórias minimizarão o risco de aparecimento e/ou
evolução de sintomas de ansiedade, contribuindo para a redução do número de encaminhamentos
de adolescentes a tratamentos de saúde mental.
Método
Esta é uma pesquisa de cunho-intervenção. O projeto foi realizado sob o formato de
sobreposição curricular, em modalidade presencial, com conteúdo geral, de curta duração,
destinado a público-alvo de ensino médio, em formato individual ().
Participantes
Adolescentes ingressantes no curso técnico integrado ao ensino médio em 2022. Como
critério de inclusão, dentre os aproximadamente 120 adolescentes matriculados, foram
selecionados estudantes que apresentaram, concomitantemente, dificuldades de adaptação
à nova rotina acadêmica, constatadas na entrevista inicial e sintomas de ansiedade,
identificados por meio da Escala DASS-21, sendo um total de 35 estudantes participantes
do projeto.
Considerando o perfil dos participantes do projeto de orientação de estudos segundo
curso, sexo e idade, a amostra de 35 estudantes ingressantes ficou distribuída conforme
a Tabela 1.
Tabela 1Perfil dos participantes do projeto de orientação de estudo do 1º ano
Idade (anos)
Curso
Sexo
14
15
16
17
Total
Técnico Integrado Edificações
Feminino
1
8
0
1
10
Masculino
0
2
1
1
4
Técnico Integrado Informática
Feminino
1
8
2
0
11
Masculino
0
2
0
0
2
Técnico Integrado Mecatrônica
Feminino
0
2
3
0
5
Masculino
0
2
1
0
3
Total
2
24
7
2
35
Instrumentos
Escala de depressão, ansiedade e estresse (DASS-21), versão brasileira ()
A Escala DASS-21 foi utilizada para avaliar indicadores de ansiedade, estresse e depressão.
Consiste em uma escala de autorrelato, do tipo Likert, composta por 21 questões e
contém três subescalas, a saber: depressão, ansiedade e estresse.
Entrevistas
Foi realizada uma entrevista inicial com os estudantes participantes, a fim de avaliar
aspectos relacionados à motivação e hábitos de estudo, tais como: local adequado para
estudar em sua residência, rotina de estudo diário, organização quanto às atividades
acadêmicas, estratégias para estudar, interesse pelo curso, grau de atenção, dificuldades
de adaptação à rotina escolar, entre outros fatores que poderiam influenciar sua vida
acadêmica.
Para avaliar a percepção dos/as estudantes sobre o impacto das intervenções em sua
aprendizagem e adaptação acadêmica, a entrevista final abordou questões como a percepção
do/a estudante sobre sua participação no projeto, a alteração em sua rotina após as
intervenções, entre outras.
Procedimento
O trabalho foi realizado em uma Instituição Federal, que oferece curso técnico integrado
ao ensino médio, no estado de São Paulo, Brasil. A aplicação dos instrumentos foi
iniciada em junho de 2022, com a Escala DASS-21 utilizando formulário on-line (Google Forms).
Em seguida, foi realizada uma sessão individual de atendimento com todos os estudantes
participantes, durante a qual foi realizada a entrevista semiestruturada inicial.
Dentre os 65 alunos que consentiram em participar, 35 se enquadraram nos critérios
de inclusão: apresentaram, concomitantemente, dificuldades de adaptação acadêmica
(constatados na entrevista inicial) e sintomas de ansiedade situados nas faixas suave/branda,
moderada, severa ou extrema severa da DASS-21; e foram encaminhados para a intervenção.
As sessões de orientação de estudo foram norteadas pelos modelos teóricos de e . Cada estudante recebeu entre uma e quatro sessões individuais de orientação, segundo
suas dificuldades particulares. A seguir, são descritos os encaminhamentos de cada
atendimento.
No primeiro atendimento, cada estudante foi orientado a realizar um planejamento em
planners (cronogramas) mensais e semanais. Os planners mensais foram destinados a anotações de provas e trabalhos para organização bimestral,
facilitando a visualização das atividades a serem realizadas e o planejamento de estratégias
para atingi-las, considerando o tempo disponível para estudo. Foi enfatizada a importância
do tempo de dedicação aos estudos e do tempo destinado às pausas (; ).
No segundo atendimento, verificou-se em que medida o planejamento foi executado. Foi
enfatizada a importância de aspectos, como: realizar um checklist semanal das atividades previstas, a fim de antecipar os estudos; verificar as matérias
a serem estudadas; preparar previamente os trabalhos; identificar as atividades cumpridas
e as que faltavam fazer, evitando assim o acúmulo de atividades antes das avaliações.
Nessa sessão, foram investigadas as estratégias de estudo adotadas pelo/a estudante
(como síntese, mapa mental, resumo, entre outras), em todas as disciplinas mas, especificamente,
nas que havia dificuldades. Os estudantes receberam informação sobre recursos e estratégias,
tais como, realizar exercícios e buscar auxílio para solução de dúvidas, entre outras
().
No caso dos estudantes que receberam mais sessões de orientação, até quatro, verificou-se
em que medida o planejamento, a execução e as estratégias utilizadas estavam sendo
eficazes, com base no relato do estudante, nas anotações realizadas nos planners,
nas lista de atividades e no acompanhamento das notas. Foi avaliado se o estudante
estava conseguindo pôr em prática as orientações e se seria necessário alterar alguma
etapa do planejamento e/ou mudança de estratégias de aprendizagem. Desta forma, foi
realizada a avaliação de todo o processo, estimulando a reflexão por parte do estudante
e reiterando as orientações específicas disponibilizadas.
Na última sessão, foi realizada uma retrospectiva com cada participante para avaliação
dos resultados. Orientadora e estudante, em conjunto, buscaram identificar em quais
disciplinas seria necessário melhorar o desempenho. Também foi disponibilizado um
resumo sob a forma de folder digital aos estudantes, com base no modelo PLEA (), contendo as principais informações sobre a autorregulação da aprendizagem. Após
o término da intervenção, em novembro, os participantes preencheram novamente a Escala
DASS-21 e realizaram a entrevista semiestrurada final.
O projeto foi realizado no período de junho a novembro de 2022, com sessões de atendimento
realizadas em sala individual, com duração de 10 a 30 minutos, em tardes que os estudantes
não tinham aula.
Aspectos éticos
O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil, sendo os números dos processos:
CAAE: 56563222.1.0000.5466 (Instituição Proponente) e CAAE: 56563222.1.3001.5473 (Instituição
Coparticipante). Após a aprovação, deu-se início às intervenções, seguindo-se todos
os procedimentos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Brasil (CONEP) e as
orientações para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual
(Ofício Circular Nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS).
Análise de dados
Os dados da pesquisa foram objeto de diferentes análises. Dentre elas, os escores
da aplicação da Escala DASS-21, antes e após a intervenção, foram comparados; foi
utilizado o método JT e foi realizada uma análise de variância com medidas repetidas,
considerando o sexo (feminino e masculino) como variável independente (utilizando
IBM SPSS, V. 22.0). Para investigar o grau de eficácia do projeto procedeu-se à análise
do conteúdo das entrevistas finais segundo o modelo teórico de . A categorização realizada pela pesquisadora foi avaliada por dois docentes, com
doutorado relacionado à área da pesquisa, para analisar a consistência da categorização.
Resultados
Análise quantitativa
Foram comparadas as classificações, através dos escores obtidos pelos estudantes,
nas duas aplicações da Escala DASS-21, antes e após a intervenção. Observou-se que
dos 35 ingressantes, houve redução nos escores em ansiedade em 12 estudantes; 5 apresentaram
aumento e 18 não apresentaram alteração nos sintomas de ansiedade. Quanto à pontuação
média da amostra em ansiedade, foi detectada uma redução de 20,46 (DP = 9,5) pontos na primeira aplicação para 17.43 (DP = 9.9) na segunda.
Outra forma de análise utilizada foi o Método JT, onde foram comparados os escores
em ansiedade, respectivamente, nas avaliações pré e pós-intervenção. A Figura 1 apresenta a interpretação gerada pelo programa. Os 8 pontos que estão situados acima
do traçado da diagonal superior, representam os estudantes que apresentaram melhora
nos sintomas de ansiedade, após a intervenção. Os 3 pontos que estão situados abaixo
do traçado, indicam os estudantes que tiveram piora nos sintomas. Em relação aos demais
pontos, que estão localizados entre as linhas superior e inferior à bissetriz, não
é possível afirmar se houve piora ou melhora nos sintomas. Essa análise detectou,
portanto, redução confiável da ansiedade em oito estudantes.
Figura 1Resultados obtidos com o Método JT
Por último, através da análise de variância com medidas repetidas para comparação
dos resultados da DASS-21 nas avaliações pré e pós-intervenção, considerando o sexo
(feminino e masculino) como variável independente, detectou-se efeito positivo da
intervenção para ansiedade (F(1,33) = 5,860, p = 0,021), denotando que a redução na pontuação média em ansiedade foi estatisticamente
significante. A interação entre sexo com intervenção não apresentou efeito significante.
Análise qualitativa
Observações da pesquisadora durante as sessões de orientação de estudo e relatos dos
estudantes nas entrevistas finais
A análise das sessões de atendimentos de orientação de estudo e dos relatos dos estudantes
nas entrevistas finais, possibilitou constatar que a participação no projeto, na maioria
dos casos, favoreceu o desenvolvimento de habilidades autorregulatórias, principalmente
na fase de planejamento, tais como: agendamento das datas de avaliações/trabalhos
e estabelecimento de metas. Também houve a aquisição de habilidades relativas às fases
de execução e autoavaliação, como a antecipação das atividades e conteúdos a serem
estudados, foco, atenção, priorização de tarefas, gerenciamento do tempo, identificação
de estratégias de aprendizagem mais eficazes, solicitação de ajuda para solução de
dúvidas, entre outras. Não houve desistências durante a intervenção.
Quanto às entrevistas finais, através da análise dos relatos dos estudantes, foram
elencadas diversas categorias temáticas, sendo apresentadas as quatro principais:
participação no projeto, execução do planejamento, reflexão sobre o desempenho nas
disciplinas e sentimentos de ansiedade em avaliações. Na sequência são citados trechos
dos relatos dos estudantes, exemplificando cada categoria.
Participação no projeto. A maioria dos entrevistados afirmaram que as orientações os ajudaram, principalmente
na organização dos estudos, como demonstra o relato:
Participar do projeto me ajudou, porque eu tinha muita dificuldade em organizar tudo,
porque eu queria fazer tudo…. no mesmo momento, mas uma hora, aí eu não conseguia
organizar, aí eu sentia que estava ruim tudo e eu tinha que estudar tudo.(...). Ai
me ajudou: as tarefas que antes eu ficava enrolada para fazer, agora como tem o papel
eu consigo (E33).
Execução do planejamento. O planner mensal foi o recurso mais utilizado, facilitando a visualização das tarefas e auxiliando
no planejamento, entretanto o planner semanal, quase não foi mencionado. O checklist semanal também foi útil, segundo a percepção dos entrevistados:
Eu utilizei o planner. Eu consegui me organizar melhor, tinha vez que eu só fazia a listinha do que eu
tinha que fazer, eu não colocava o tempo, eu só colocava as prioridades com uma estrelinha
e eu ia fazendo, aí também usava o método pomodoro e o mapa mental para o estudo (E35).
Reflexão sobre o desempenho em diferentes disciplinas. Vários estudantes afirmaram que passaram a focar os esforços nas disciplinas em que
têm mais dificuldades, como consta no relato:
Então, tinha muita coisa que eu focava no que eu era muito bom e desfocava no que
eu era ruim. E aí, hoje em dia eu foco mais no que eu sou ruim e deixo o que eu sou
bom, eu já sou bom, eu só devo manter (E15).
Sentimentos de ansiedade em avaliações. Em diversos casos, houve a percepção de que o projeto amenizou sentimentos como nervosismo,
preocupação ou ansiedade, principalmente antes das avaliações escolares, como observa-se
no relato do estudante sobre sua dificuldade específica em uma disciplina:
Ah, eu senti, porque eu consegui lembrar mais na hora da prova, antes eu ficava muito
ansiosa e eu não lembrava de nada, mas eu consegui sim, só em matemática, assim, que
eu sempre tive dificuldade, então foi bem difícil. Mas outras matérias foi de boa
(E17).
Contudo, essa percepção não foi unânime, o que vai ao encontro dos resultados aferidos
por meio da DASS-21, como nota-se no relato:
É ansiedade né, me deixa nervosa, aí não é nem que eu não sei a matéria…é que eu vou
ficando nervosa e aí eu acabo esquecendo muita coisa que eu estudei, que era importante
lembrar na hora e aí eu coloco coisa errada(...) (E22).
Mudanças após participar do projeto. Foram citados, principalmente, aspectos como maior motivação para o estudo, mais
interesse, melhor preparo, equilíbrio e consciência da necessidade de criar uma rotina
e hábitos de estudo:
Ah, eu me senti melhor em relação às provas, a questão de organizar o que cada coisa
deve fazer, entendeu? Tipo uma organização melhor sobre os estudos, porque antigamente
eu via o que eu via lá, o que aparecia na frente eu tava estudando. Hoje em dia, não,
hoje em dia eu pego o que eu devo estudar (E15).
Essa percepção também não foi unânime, como menciona o estudante:
Aí, sei lá, é que geralmente eu saio muito tarde da escola, aí em casa, eu tô com
muito sono durante o dia, aí eu chego em casa, eu quero dormir ou eu tenho que fazer
as coisas de casa e ajudar minha mãe ou estudo (E3).
O conjunto dos relatos é compatível com as observações da pesquisadora; revela um
continuum no grupo pesquisado, quanto ao grau de aquisição de habilidades autorregulatórias
e à diminuição dos sintomas de ansiedade.
Discussão
O objetivo do presente trabalho foi avaliar o grau de eficácia do projeto de intervenção,
partindo da suposição de que a intervenção promoveria a aquisição de habilidades autorregulatórias
nos participantes e minimizaria os sintomas de ansiedade.
Os resultados, como um todo, sugerem que, a maioria dos estudantes obtiveram êxito,
principalmente na fase de planejamento, definindo metas e adotando uma lista semanal
de atividades (checklist); sendo que essa estratégia, aliada ao planejamento de horários de estudos, demonstrou-se
eficaz na maior parte dos casos. Os relatos enfatizaram melhorias em aspectos como
“organização” dos estudos; gerenciamento do tempo para consecução das metas; entre
outros, indo ao encontro da literatura: na fase de planejamento “o/a estudante analisa
a tarefa com a qual irá se defrontar, estuda os recursos pessoais e ambientais necessários
ao enfrentamento da tarefa, estabelece os objetivos e planos para atingir a meta pretendida”
(). Em linhas gerais, os resultados aqui encontrados são semelhantes aos de pesquisas
brasileiras recentes. Em um estudo com alunos de ensino médio profissionalizante,
dentre as fases que compõem o processo autorregulatório, a maior evolução das habilidades
foi observada na etapa de planificação (Silva e Bizerra, 2022). Também no estudo de
, foi avaliado o nível de aprendizagem autorregulada no ensino médio; sendo observada
alta frequência de respostas positivas na etapa de planificação.
No presente estudo, foi observado que a maioria dos/as estudantes obteve êxito também
durante as etapas de execução e avaliação, utilizando o planner mensal com eficácia, por exemplo. Possivelmente, devido ao número de disciplinas,
muitos tenham enfrentado dificuldades em estabelecer uma rotina com disciplinas fixas
a serem estudadas. Os relatos nas entrevistas, aliado às observações da pesquisadora,
levam a crer que a maioria cumpriu o planejamento em maior ou menor grau, atentando
para aspectos como manejo do ambiente de estudo, identificação de dificuldades e potencialidades
e priorização de atividades. Foi também constatada a aquisição de habilidades como
gestão do tempo e controle de aspectos do ambiente, o que facilitou a consecução das
metas, segundo o que prevê a literatura ().
Fica implícita a presença de processos metacognitivos, quando o/a estudante afirma,
por exemplo:
Sim, foi bom, porque foi uma maneira de eu me organizar melhor e focar no que eu tenho
de inteligência… no que realmente deve ser necessário. Então, tinha muita coisa que
eu focava no que eu era muito bom e desfocava no que eu era ruim. E aí, hoje em dia
eu foco mais no que eu sou ruim.
Ao tornar-se consciente do próprio processamento cognitivo, os/as estudantes reconhecem
a importância da autoavaliação na detecção de pontos fortes e fracos ao aprender e
isso, entre outros aspectos, pode contribuir para que se concentrem ou foquem os estudos
e assim, consigam atingir os objetivos ().
A maioria dos/as estudantes efetuou esforços reflexivos, no sentido de análise do
próprio desempenho e de identificação/enfrentamento das dificuldades, o que vai ao
encontro da literatura (; Zimmerman, , ; ). A fase de autorreflexão pressupõe processos de auto-observação como, por exemplo,
a autocrítica, no sentido de atribuição de causalidade ao próprio desempenho (Zimmerman,
, ). Quando um estudante afirma, por exemplo, que “mas ainda sou um pouquinho desorganizada
com as coisas, com as minhas tarefas, acabo deixando para última hora, às vezes”,
evidencia a aquisição de habilidades, nesse sentido: na etapa de autorreflexão, o/a
estudante avalia a eficácia das estratégias de aprendizado via automonitoração, para
a identificação de discrepâncias entre o resultado obtido e o objetivo inicial, bem
como a redefinição de estratégias para a realização de metas ().
Contudo, houve exceções. Foi constatado o comportamento de procrastinação em alguns
participantes, ou seja, a tendência a postergar ou atrasar tarefas, que é associada
a comportamentos prejudiciais ao aprendizado, como atrasar atribuições e diminuir
o tempo de estudo. Trata-se de uma postergação ilógica, caracterizando lacunas entre
intenção e ação (). Ao desviar a atenção das atividades escolares, evita-se momentaneamente sentimentos
como tensão, temor ou preocupação; a procrastinação pode também ser uma tática, no
sentido de ocultar a falta de compreensão de certos conteúdos escolares (). A procrastinação pode acabar se fortalecendo, por ser uma resposta comportamental
que possibilita a evitação de estressores percebidos. Diante do estresse, adolescentes
podem lançar mão de estratégias de enfrentamento produtivas, como encarar o problema,
ou então recorrer à evitação, desviando a atenção do foco do problema (). Alunos com alto grau de autorregulação da aprendizagem, tendem menos a procrastinar
os estudos e alunos pouco autorregulados, tendem a procrastinar mais ().
É possível que os obstáculos enfrentados por alguns participantes deste trabalho tenham
reduzido sua motivação para os estudos. Supõe-se que a defasagem em conteúdos prévios,
quando aliada a fatores como cansaço decorrente do deslocamento para estudar em outra
cidade, problemas familiares, ausência de espaço adequado para estudo, entre outros
aspectos, tenham dificultado a adaptação de alguns estudantes à nova realidade. A
motivação é considerada fator crucial para a aprendizagem e permeia o processo autorregulatório:
“A autorregulação da aprendizagem pode ser desenvolvida mediante a coordenação de
aptidões cognitivas, metacognitivas e motivacionais” ().
Os resultados parecem sugerir que em alguns participantes deste trabalho, o ato de
procrastinar e/ou os fatores que interferem na motivação, dificultaram a autorregulação
e o aprendizado, levando a mais procrastinação, desmotivação, resultando em um círculo
vicioso. Possivelmente, trata-se de uma associação bidirecional. É possível que a
intervenção não tenha sido eficaz em promover autorregulação e em minimizar a procrastinação
ou a desmotivação em alguns estudantes. Supõe-se que nesses casos, seriam necessárias
intervenções com maior tempo de duração.
No que diz respeito aos sintomas de ansiedade, a hipótese inicial foi parcialmente
confirmada, tanto pela comparação dos escores de cada caso individualmente, quanto
pela aplicação do Método JT. Além de que a diferença entre as médias das pontuações
no fator ansiedade da DASS-21 (pré e pós intervenção) foi significante. Considerando-se
o grupo de estudantes que participaram do projeto de intervenção, nota-se uma redução
na média do grau de ansiedade. Fatores que sugerem a possibilidade de efeito positivo
da intervenção.
É imprescindível atentar para variáveis que podem ter interferido no desempenho dos/as
estudantes durante o preenchimento da DASS-21 e/ou em sua adaptação acadêmica. Considera-se
que 2022 foi um ano atípico, uma vez que os adolescentes ingressaram no ensino médio,
no período imediatamente após a pandemia. Há evidência de que a pandemia de COVID-19
acentuou problemas de saúde mental em adolescentes e/ou na população em geral (). Além disso, a intervenção ocorreu entre junho e novembro de 2022, sendo que parte
desse período teve as tardes livres ocupadas por atividades extraclasses, reduzindo
o tempo que os/as estudantes tinham para dedicar-se aos estudos.
Essas e outras variáveis podem ter acarretado sobrecarga e estresse nos estudantes
na fase final deste projeto, influindo em seu grau de ansiedade. Somado a isso, a
segunda aplicação da DASS-21 ocorreu em novembro, período em que os estudantes realizaram
as avaliações escolares finais. É importante considerar o constructo de ansiedade ante aos testes e sua associação com processos de autorregulação (; ). A literatura sugere que sintomas de ansiedade ante a testes, em níveis moderados,
podem inclusive contribuir com a autorregulação; ao passo que níveis elevados de ansiedade
antes das avaliações, podem prejudicar o desempenho escolar (). Novos estudos sobre o assunto, sob diferentes formatos de intervenção e considerando
o papel de variáveis intervenientes poderiam contribuir na compreensão do assunto.
Os resultados deste trabalho como um todo vão ao encontro do que prevê a literatura,
quanto ao papel da escola em promover a autorregulação (; ). Há um consenso no sentido de que as instituições escolares deveriam incorporar
o ensino de habilidades autorregulatórias ao cotidiano das aulas. Docentes podem incluir
o ensino de habilidades dessa natureza durante as aulas (; ).
O atendimento individual de orientação de estudo norteadas pelo referencial teórico
da autorregulação da aprendizagem, realizado pela pesquisadora, demonstrou ser uma
forma eficiente de auxiliar os estudantes: os dados referentes aos relatos nas entrevistas,
aliados às observações da pesquisadora durante as sessões, mostram que a maioria dos
estudantes obtiveram êxito em aspectos como analisar o conjunto das tarefas exigidas
pelo curso; em verificar quais as estratégias mais eficazes para alcançar os resultados
esperados; em avaliar o progresso em relação a aprendizagem, entre outros. Além disso,
também compreenderam a necessidade de realizar ajustes no planejamento, quando necessário.
Foi possível constatar que quando estimulados, a maioria dos estudantes refletiram
sobre a situação proposta, de acordo com as suas possibilidades no momento, sua individualidade
e considerando sua história de vida.
O conjunto dos resultados denota, portanto, que a maioria dos participantes adquiriram
habilidades pertinentes ao processo de autorregulação em diferentes níveis e que as
intervenções favoreceram em maior ou menor grau a adaptação acadêmica dos estudantes
na maioria dos casos.
Como limitações deste estudo, o reduzido tamanho amostral não permitiu a generalização
dos resultados, além de que o tempo livre que os/as estudantes dispunham foi relativamente
reduzido.
Sugere-se que pesquisas futuras sejam realizadas com maior população amostral e com
maior frequência de atendimentos para ampliar a compreensão do assunto.
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