O consumo excessivo de substâncias ilícitas pode ter um impacto negativo na qualidade de vida de um indivíduo e é, por conseguinte, um indicador de psicopatia. A combinação do consumo de substâncias e da psicopatia pode ter consequências prejudiciais e conduzir a um risco acrescido de persistência e gravidade do consumo. Os estudantes universitários parecem estar em maior risco de consumo de substâncias ilícitas devido à sua disponibilidade e possível facilidade de acesso. O objetivo deste estudo é analisar a relação entre o consumo de substâncias lícitas e ilícitas e a existência de traços psicopáticos numa amostra de 487 estudantes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 17 e os 49 anos, dos cursos de ciências sociais de uma universidade pública em Portugal. Os dados para o estudo foram recolhidos através da Escala de Autoavaliação da Psicopatia (SRP-III), do Teste de Triagem para Abuso de Substâncias (DAST) e de um breve questionário sociodemográfico. Os resultados sugerem uma associação entre o consumo de substâncias e os traços psicopáticos (valores r = .18 a r = .37), confirmando a necessidade de deteção precoce de comportamentos aditivos entre os jovens. Os resultados revelam também um consumo de substâncias ligeiramente mais elevado no sexo masculino (M = 1.01; DP = 1.33) do que no sexo feminino (M = 0.52; DP = 1.14). O estudo conclui recomendando a criação de programas de intervenção dirigidos especificamente aos adultos jovens em contexto universitário, com o objetivo de prevenir ou intervir no consumo de substâncias ilícitas.
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Como Citar
Simões, M., Mendes, V., Cunha, P., & Relva, I. C. (2024). Relação entre uso de substâncias lícitas e ilícitas e existência de traços psicopáticos em estudantes universitários portugueses. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, 11(1). https://doi.org/10.17979/reipe.2024.11.1.9879
Margarida Simões, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Departamento de Educação e Psicologia, Escola de Ciências Humanas e Sociais, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro: https://www.utad.pt. Vila Real – Portugal
Vanessa Mendes, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Departamento de Educação e Psicologia, Escola de Ciências Humanas e Sociais, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro: https://www.utad.pt. Vila Real – Portugal
Pedro Cunha, Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa: https://www.ufp.edu.pt/. Porto, Portugal
Inês Carvalho Relva, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Departamento de Educação e Psicologia, Escola de Ciências Humanas e Sociais, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro: https://www.utad.pt Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD): https://cidesd.pt Vila Real – Portugal
Simões, Mendes, Cunha, and Relva: Relação entre uso de substâncias lícitas e ilícitas e existência de traços psicopáticos
em estudantes universitários portugueses
O consumo de substâncias lícitas ou ilícitas continua a constituir um grave problema
a nível individual e social. Globalmente, 11,8 milhões de pessoas morrem por ano devido
ao consumo de substâncias lícitas e ilícitas e consequências do mesmo (; ). O uso compulsivo e descontrolado de substâncias pode levar à dependência física
e psicológica, com consequências graves para a saúde de cada indivíduo (; ).
A iniciação do uso de substâncias ilícitas pode ser determinada por fatores genéticos,
sociais e psicológicos. Um dos fatores mais estudados são os fatores sociais, uma
vez que a iniciação do consumo é maioritariamente realizada em contexto social, e
sendo o ser humano um organismo biológico e social, os comportamentos ou processos
interferem no contexto social na qual estão inseridos (). Existem ainda outras motivações que levam ao consumo de substâncias ilícitas, como
os modelos familiares, fatores ambientais e ainda fatores de personalidade que desempenham
um papel fulcral, assim como ansiedade, depressão, procura de novas sensações e emoções
de modo a satisfazer as suas necessidades pessoais ().
O consumo de substâncias ilícitas pode desencadear consequências negativas, nomeadamente
na saúde e no bem-estar, a nível psicológico, interpessoal, social, ocupacional, legal
e educacional (; ). A dependência de substâncias ilícitas acarreta comportamentos de risco que podem
resultar na perda de emprego, perda de produtividade, violência, comportamento sexual
de risco, doenças e morte (; ). revelam que os estudantes universitários evidenciam uma elevada propensão para o
consumo de substâncias ilícitas, atendendo ao fácil acesso e disponibilidade das mesmas,
às novas experiências vivenciadas (uma vez que, em alguns casos, possuem pela primeira
vez uma liberdade total nas suas escolhas), à influência por parte de colegas e ao
ambiente noturno vivido em contexto universitário (). Deste modo, a vida universitária parece evidenciar um maior risco para a iniciação
ao uso de substâncias ilícitas (; ). Por outro lado, acrescentam que os jovens parecem usar substâncias lícitas e ilícitas como forma
de se evadir de realidades exasperantes ou duras, reduzir a ansiedade e o stresse
típico resultantes das épocas de exame.
Importa referenciar ainda que as diferenças no que concerne ao sexo dos indivíduos
podem influenciar o consumo de substâncias (). Neste sentido, ressaltam uma tomada de atenção para as diferenças existentes entre sexos no uso
de substâncias. salientam, num estudo realizado com jovens universitários, resultados com um elevado
consumo correspondente também ao sexo masculino. Indicam ainda que os jovens entre
os 18 e 25 anos possuem uma maior taxa de prevalência de uso, abuso e dependência
em relação aos indivíduos mais velhos. constataram, num estudo que envolveu 585 adolescentes e jovens adultos de escolas
públicas de Lisboa, com idades compreendidas entre os 15 e os 21 anos, que foram os
estudantes mais velhos que referiram maior envolvimento nos diferentes tipos de consumo.
, em um estudo realizado com 6131 sujeitos com idades compreendidas entres os 11 e
os 25 anos, reforçam que, na generalidade, os adolescentes mais velhos referem um
maior envolvimento com substâncias ilícitas comparativamente aos mais novos.
Considerando a associação entre psicopatia e uso de substâncias, realizaram dois estudos com o objetivo de analisar a possibilidade de uma relação
entre a Tríade Negra, nomeadamente a psicopatia e a influência de outras pessoas no
uso de substâncias. No primeiro estudo, foi preenchido um instrumento online que avaliou as características da Tríade Negra, a análise da história do indivíduo
para influenciar e motivar outros a usar substâncias. Da mesma forma, para o segundo
estudo, foram preenchidos dois questionários online, nos quais um avaliou o consumo pessoal de substâncias e o outro os níveis de psicopatia
dos amigos mais próximos dos participantes do estudo. Como resultado, verificou-se
que, no estudo 1, indivíduos com níveis mais elevados de psicopatia tinham uma maior
propensão para fornecer substâncias ilícitas a outras pessoas e indicaram vontade
de fazê-lo novamente. No estudo 2, os participantes do estudo relataram uma maior
probabilidade de uso de substâncias se apontassem que o seu melhor amigo tinha elevados
níveis de psicopatia e uma história de uso de substâncias ().
Importa agora definir psicopatia a partir da obra de , The Mask of Sanity, na qual descreveu as características relativas aos indivíduos com psicopatia, com
base nas suas observações ao trabalhar com doentes psiquiátricos. Realçou que os indivíduos
evidenciavam inteligência e competência, mas denotava que permaneciam visivelmente
perturbados e alguns indivíduos com psicopatia não se preocupavam com as consequências
do seu comportamento violento e antissocial. A psicopatia é definida como uma perturbação
de personalidade, que se inicia na infância ou adolescência, tendo continuidade na
adultez, sendo concetualizada como um conjunto de características interpessoais, comportamentais
e afetivas (). Relativamente às características interpessoais, são atribuídas a grandiosidade,
o poder de manipulação, o egocentrismo, a frieza emocional e a energia (; ; ). Nas características comportamentais, a impulsividade pertence a uma consequência
de risco, que pode levar ao envolvimento em atividades criminosas. E, por último,
as afetivas, onde se incluem falta de empatia, incapacidade de manter um relacionamento
íntimo e exibição de emoções superficiais, não demonstrando empatia, remorsos ou ansiedade
(). Existe ainda uma outra componente, referenciada como o quarto fator, o antissocial,
na qual permanece relacionada com a tendência ao envolvimento em comportamentos violentos
e ilegais (). Com base na conceptualização de Cleckley, referida anteriormente, é apresentado
um modelo que integra quatro dimensões da psicopatia: Manipulação Interpessoal (MI),
Insensibilidade Afetiva (IA), Estilo de Vida Desviante (EVD) e Comportamento Antissocial
(CA).
No que concerne ao sexo, a psicopatia foi estudada maioritariamente em indivíduos
do sexo masculino, com apenas uma pequena e desproporcional quantidade de literatura
relacionada com amostras femininas (). Apenas nos últimos anos tem existido uma maior inclusão do sexo feminino nos estudos
em psicopatia (). realçam evidências nas diferenças de sexo na psicopatia, apresentando quatro diferenças
principais nas manifestações, sendo elas expressões distintas no comportamento psicopático,
diferenças nas caraterísticas interpessoais, uma tendência na avaliação da psicopatia,
normas sociais e diferenças nas motivações psicológicas subjacentes nos indicadores
da psicopatia. Os autores referem que existem diferenças nas manifestações comportamentais
consoante o sexo do indivíduo a nível interpessoal. A nível comportamental, o sexo
masculino com psicopatia manifesta impulsividade e problemas de conduta como comportamentos
agressivos, enquanto o sexo feminino com psicopatia envolve-se com maior facilidade
em fugas, crimes, roubos e manipulação ().
De acordo com , as taxas de psicopatia diferem entre sexos, revelando uma taxa de prevalência amplamente
mais elevada no sexo masculino em comparação com o sexo feminino, referenciando que
são necessários mais estudos para fornecer uma maior clareza acerca desta questão.
Atualmente, reconhece-se que as características psicopáticas não se limitam somente
a amostras prisionais ou forenses, mas também se estendem à população em geral, numa
grande dimensão de jovens adultos e adultos (; ; ).
referem o facto de os traços psicopáticos em jovens serem semelhantes aos verificados
em adultos. A perturbação de personalidade pode estar presente no final da infância
ou início da adolescência e continuar a desenvolver-se até à idade adulta (). Nos jovens adultos, a presença de características psicopáticas tem sido relacionada
com a violência e criminalidade, problemas de conduta, delinquência, agressões e ofensas
(). realçam que os jovens com psicopatia demonstram uma maior preferência por novas atividades,
mais perigosas e emocionantes. Apresentam uma menor sensibilidade à punição e são
menos reativos a ameaças e a estímulos angustiantes e tendem a ser menos medrosos.
Neste sentido, torna-se fulcral a identificação precoce da perturbação para evitar
situações mais graves associadas à psicopatia (). Assim sendo, a identificação precoce, prevenção e intervenção, podem ajudar a prevenir
consequências mais graves para os jovens que apresentem traços de psicopatia ().
No que diz respeito aos traços de personalidade presentes na psicopatia, salienta-se
a falta de controlo nos impulsos, a falta de culpa e o comportamento antissocial,
que podem constituir um fator de risco para um estilo de vida socialmente desviante,
incluindo o uso e abuso de substâncias (). O uso excessivo de substâncias ilícitas pode condicionar a qualidade de vida dos
indivíduos e, deste modo, ser um fator de gravidade para a psicopatia (). Esta associação da psicopatia com o uso de substâncias pode levar a consequências
prejudiciais no bem-estar, na saúde, no plano laboral, na vida académica, entre outras
dimensões da vida (; ). Pode, assim, resultar na diminuição de produtividade no trabalho, baixo desempenho,
problemas de saúde, sequelas neuropsicológicas, hepatites, disfunção social, violência,
pobreza, maior dificuldade na recuperação e má qualidade de vida ().
Um estudo realizado por evidencia a associação entre o uso de substâncias ilícitas e a psicopatia, tendo-se
verificado nos indivíduos com psicopatia taxas mais elevadas de uso e dependência
de substâncias ilícitas, início mais precoce, diferentes tipos de substâncias utilizadas
e ainda taxas elevadas no que se refere ao compartilhamento de agulhas. Num estudo
realizado por , com adolescentes de idades entre os 12 e os 18 anos, verificou-se uma associação
entre traços de psicopatia, nomeadamente busca de perigo, impulsividade, irresponsabilidade
e consumo de substâncias. ressaltam ainda a pouca recetividade dos indivíduos psicopatas quanto ao tratamento
pela perturbação do uso de substâncias.
A escolha da psicopatia para a presente investigação prendeu-se não só com o reconhecimento
crescente de que esta temática não se limita somente a amostras forenses, mas também
a amostras não clínicas (), e ao facto da existência de uma lacuna na literatura que relacione psicopatia com
consumo de substâncias lícitas e ilícitas. Torna-se deste modo pertinente perceber
se o consumo de substâncias está relacionado com a existência de traços psicopáticos
numa amostra de jovens universitários.
No presente estudo pretende-se avaliar a relação entre o uso de substâncias e a existência
de traços psicopáticos numa amostra em estudantes universitários. Assim sendo, mais
detalhadamente os objetivos do estudo são: i) analisar a associação entre o consumo
de substâncias e as dimensões da psicopatia: a manipulação interpessoal, a insensibilidade
afetiva, o estilo de vida desviante e o comportamento antissocial; ii) explorar diferenças
no consumo e nas dimensões da psicopatia em função do sexo dos participantes; e iii)
perceber se existe um efeito preditor dos traços de psicopatia no consumo.
Método
Participantes
O presente estudo foi realizado com uma amostra de conveniência constituída por 487
estudantes universitários portugueses, 385 do sexo feminino (79.1%) e 102 do sexo
masculino (20.9%), com idades compreendidas entre os 17 e 49 anos (M = 20.61; DP = 3.45), mais especificamente 465 (95.5%) têm idades entre os 17 e 25 anos.
Instrumentos
Tendo em conta os objetivos pretendidos para a presente investigação, que assume um
cariz metodológico quantitativo e transversal, foi utilizado um questionário sociodemográfico
(construído no sentido de obter informações referentes aos participantes como sexo
e idade) e duas escalas validadas para a população portuguesa.
Escala de Autoavaliação da Psicopatia (SRP-III)
Adaptação para a população portuguesa por de Self-Report Psychopathy Scale (), a escala de autoavaliação de psicopatia é constituída por 64 itens, nas quais estão
incluídas quatro dimensões da psicopatia correspondentes ao modelo de Hare ()., com 16 itens cada um, sendo elas: Manipulação Interpessoal (MI) (e.g., “Já fingi ser outra pessoa para conseguir algo”), Insensibilidade Afetiva (IA) (e.g., “Por vezes, deixo de ligar a amigos quando já não preciso deles”), Estilo de Vida Desviante (EVD) (e.g., “Raramente sigo as regras”) e Comportamento Antissocial (CA) (e.g., “Já fui condenado(a) por cometer um crime grave”). As respostas de cada item são dadas numa escala de cinco pontos, na qual 1 indica
desacordo total e 5 acordo total. O instrumento escolhido possui um alfa de Cronbach de .91, o que revela uma boa
consistência interna da escala (). Possui igualmente uma boa validade convergente avaliada através das correlações
com outras medidas consagradas no domínio da psicopatia.
A SRP-III é utilizada para a avaliação de indivíduos adultos e tem sido aplicada em
vários estudos com populações diversas, como indivíduos com problemas de saúde mental,
indivíduos com problemas na justiça e, sobretudo, em indivíduos da comunidade. Trata-se
de uma escala de 64 itens, de tipo Likert com 5 pontos.
Ao nível das dimensões, os valores de alfa foram os seguintes: =.79 na Manipulação Interpessoal, =.63 na Insensibilidade Afetiva, =.78 no Estilo de Vida Desviante, e =.67 no Comportamento Antissocial. Na análise fatorial confirmatória do instrumento,
verificaram-se adequados os valores de ajustamento (/df = 2.255; p < .001; GFI = .90; CFI = .91; RMSEA = .05).
Teste de Triagem para Abuso de Substâncias (DAST)
Elaborado por e adaptado para a população portuguesa por . Constitui-se por uma escala dicotómica (sim ou não), de 20 itens, na qual procura
contextualizar os principais aspetos acerca do consumo de substâncias lícitas e ilícitas
(drogas legalmente prescritas, como por exemplo tranquilizantes, e drogas ilegais,
como cocaína, LSD e heroína). Aborda as variadas consequências que possam surgir com
o consumo, como sintomas físicos e psicológicos, aspetos sócio relacionais, entre
outros. Neste questionário os sujeitos são abordados sobre a experiência do consumo
de substâncias ilícitas dos últimos 12 meses e dos problemas que daí advêm. Esta escala
possui um valor do alfa de Cronbach de .92, indicando uma muito boa consistência interna
(). No presente estudo o valor do alfa de Cronbach, foi de .63, podendo o mesmo ser
considerado satisfatório no entender de . Foi ainda realizada a análise fatorial confirmatória, revelando-se os valores de
ajustamento adequados (/df = 3.090; p < .001; GFI = .98; CFI = .92; RMSEA = .07).
O DAST é normalmente autoadministrado e demora cerca de 5 minutos para ser preenchido.
O resultado desta escala pode variar entre 0 e 20, de modo a refletir sobre o consumo
de substâncias lícitas e ilícitas ao longo dos últimos 12 meses. A pontuação do instrumento
indica que 0 não existem evidências de problemas relacionados com consumo, 1 a 5 pontos é considerada severidade baixa, 6 a 10 severidade intermédia, de 11 a 15 severidade substancial e de 16 a 20 severidade “severa” (). Esta escala fornece uma avaliação simples e rápida para o nível de gravidade de
consumos de substâncias lícitas e ilícitas ().
Procedimento
O protocolo de investigação foi submetido ao conselho de ética da Universidade na
qual o estudo foi realizado, tendo sido obtido parecer positivo (DOC71-CE-UTAD-2019).
Após a autorização por parte dos professores, foram agendados os dias para a aplicação
presencial dos instrumentos e respetivos consentimentos informados. Antes da aplicação
do referido protocolo, foram entregues em papel e aplicados os consentimentos informados
aos estudantes para pedir a permissão da sua participação, com informações acerca
da investigação e a garantia de confidencialidade dos dados recolhidos. O preenchimento
foi de aproximadamente 25 minutos.
Análise de dados
Foram calculados os valores alfa de Cronbach com o intuito de aferir a consistência
interna e a confiabilidade dos instrumentos utilizados.
Seguidamente, com o programa AMOS v.23, realizaram-se análises fatoriais confirmatórias
dos modelos representativos dos instrumentos utilizados na investigação para confirmar
a adequação no que respeita aos índices de ajustamento do modelo. Para verificar a
adequabilidade do modelo aos dados foram usadas as seguintes medidas de avaliação
de ajustamento: Proporção qui quadrado /graus de liberdade (/df), Índice de ajustamento (GFI), Índice de ajustamento comparativo (CFI) e Raiz
do erro quadrático médio de aproximação (RMSEA).
Através do programa IBM SPSS v.28 foram realizadas análises estatísticas descritivas
de frequências, médias e desvio-padrão. Seguidamente, realizou-se uma correlação para
analisar a associação entre a dimensão do consumo e as dimensões da SRP-III. Com base
nos intervalos propostos por , a intensidade das correlações entre .10 e .29 é considerada baixa, valores entre
.30 e .49 é considerada mediana e entre .50 e 1 considera-se elevada. Realizou-se
também uma análise de variância multivariada (MANOVA) para analisar possíveis diferenças
relativas ao consumo e às dimensões da psicopatia em função do sexo, sendo que foram
atendidos os pressupostos para a realização do referido teste. Por último, foi realizada
uma análise de regressão linear, método standard, na medida em que os preditores foram colocados na equação em simultâneo, com o objetivo
de analisar o papel preditor dos traços de psicopatia no consumo.
Resultados
Associação entre o Teste de Triagem para Abuso de Substâncias (DAST) e as dimensões
da Escala de Autoavaliação da Psicopatia (SRP-III)
A Tabela 1 contém os resultados das correlações com as respetivas médias e desvios-padrão. Verifica-se
uma associação positiva, significativa, de magnitude baixa entre o consumo e as dimensões
manipulação interpessoal, insensibilidade afetiva e comportamento antissocial e ainda
uma associação positiva, significativa, de magnitude mediana entre o consumo e a dimensão
estilo de vida desviante (Tabela 1).
Tabela 1Correlações entre o DAST e as dimensões da SRP-III, médias e desvios-padrão
M
DP
1.
2.
3.
4.
1. DAST
0.62
0.12
-
2. Manipulação Interpessoal
35.43
7.81
.18*
-
3. Insensibilidade Afetiva
35.89
6.39
.20*
.61*
-
4. Estilo de Vida Desviante
38.24
8.32
.38*
.56*
.54*
-
5. Comportamento Antissocial
22.91
6.35
.24*
.37*
.36*
.42*
*p < .05.
Variância do consumo e das dimensões manipulação interpessoal, insensibilidade afetiva,
estilo de vida desviante e comportamento antissocial em função do sexo
Com recurso à realização de uma MANOVA, constata-se que existem diferenças significativas
no consumo nas diferentes dimensões da psicopatia em função do sexo dos indivíduos
[F(5,481) = 33.42; p< .001; Wilks = .742]. Nesse sentido verificou-se que o consumo por parte do sexo masculino (M = 1.01; DP = 1.33) ser ligeiramente superior ao consumo por parte do sexo feminino (M = 0.52; DP = 1.14). Relativamente às dimensões da psicopatia, pode constatar-se que existem
diferenças significativas (p < .001) dependendo do sexo dos indivíduos, realçando a existência dos valores mais
elevados serem correspondentes ao sexo masculino em todas as dimensões (Tabela 2).
Tabela 2Pontuações médias e desvios-padrão no DAST e nas dimensões da SRP-III, em função do
sexo
Sexo
Instrumento
Feminino
Masculino
M (DP)
M (DP)
DAST
0.52 (1.14)
1.01 (1.33)
SRP-III
Manipulação Interpessoal
34.05 (7.18)
40.63 (7.93)
Insensibilidade Afetiva
34.29 (5.66)
41.91 (5.33)
Estilo de Vida Desviante
36.74 (7.69)
43.90 (8.23)
Comportamento Antissocial
21.95 (5.57)
26.51 (7.69)
Papel preditor das dimensões manipulação interpessoal, insensibilidade afetiva, estilo
de vida desviante e comportamento antissocial no consumo
De modo a identificar o papel preditor dos traços de psicopatia no consumo realizou-se
uma análise de regressão linear, tendo como variável independente as dimensões da
psicopatia e dependente o consumo. Analisando os resultados da regressão linear (R2 = .15; RChange = .14) uma variável independente apresenta um contributo significativo e prediz positivamente
o consumo: a dimensão estilo de vida desviante (Tabela 3).
Tabela 3Papel preditor dos traços de psicopatia no consumo
Consumo
B
SE
t
Manipulação interpessoal
-.004
.009
-.03
-.47
Insensibilidade afetiva
-.004
.011
-.02
-.38
Estilo de vida desviante
.058
.008
.37
7.12***
Comportamento antissocial
.018
.010
.09
1.18
*** p < .001
Discussão
O presente estudo teve como principal objetivo avaliar a relação entre o uso de substâncias
e a existência de traços psicopáticos numa amostra em estudantes universitários.
Na análise dos resultados obtidos verificou-se existir uma associação positiva do
consumo com todas as dimensões da psicopatia. Deste modo percebe-se que quando existem
traços de psicopatia, aumenta o risco para o consumo de substâncias ilícitas. Os resultados
apurados corroboram o estudo de , o qual evidencia a associação do consumo com a psicopatia, salientando que tal pode
repercutir uma maior propensão de consumo e de dependência, assim como um início mais
precoce da iniciação de substâncias ilícitas. Estes dados são também corroborados
pelo estudo de em que numa das amostras junto de estudantes universitários se verificou que o consumo
de álcool e uso de substâncias surgem associadas a traços de desvio social e desinibição.
O estudo de vem realçar que o resultado da referida associação acarreta consequências, como diminuição
da produtividade no trabalho, disfunção social, problemas de saúde, violência, pobreza
e má qualidade de vida. Outros autores (; ; ) evidenciam ainda a manifestação de comportamentos impulsivos, possíveis envolvimentos
em atividades criminosas e um aumento do risco, tanto na persistência como na gravidade
da perturbação pelo uso das substâncias. É importante salientar que na presente investigação
a associação com maior magnitude corresponde ao consumo com um estilo de vida desviante,
o que não será alheio à amostra ser constituída totalmente por estudantes universitários,
portanto de um contexto que pode favorecer oportunidades de exploração a vários níveis
como o das substâncias. Nesse sentido, por um lado há ainda a considerar a ligação
entre os fatores de risco da psicopatia e o uso de substâncias, realçando-se consequências
como envolvimento num estilo de vida desviante, uso de substâncias ilícitas e comportamentos
impulsivos (). Por outro lado, estes resultados, que vão ao encontro da literatura, sublinham
ainda o facto de o comportamento antissocial poder ser também um fator de risco para
um estilo de vida socialmente desviante ().
No que respeita às diferenças entre os sexos dos jovens relativas ao consumo, verificou-se
na amostra em estudo que existem diferenças significativas, pois o consumo por parte
do sexo masculino foi ligeiramente superior ao sexo feminino. Tais resultados vão
ao encontro da literatura e estatística referentes ao consumo que, na generalidade,
evidenciam uma maior propensão de consumo por parte do sexo masculino (). O mesmo acontece no estudo de que referem diferenças entre o sexo feminino e o sexo masculino no que consta a respostas
comportamentais, fisiológicas e neurológicas, relançando mais uma vez uma maior percentagem
de consumo correspondente ao sexo masculino. Perante os resultados é possível ainda
presumir que, no presente estudo, o sexo masculino parece estar mais predisposto a
consumir substâncias, comparativamente ao sexo feminino.
Verificou-se também que existem diferenças significativas relativas ao sexo nas quatro
dimensões da psicopatia, evidenciando uma média mais elevada no sexo masculino em
todas as dimensões, sendo que o sexo masculino parece estar mais predisposto a apresentar
traços psicopáticos. Estes resultados são corroborados por que salientam uma diferença significativa na psicopatia entre o sexo masculino e
o sexo feminino, com uma prevalência mais elevada no sexo masculino. Estes resultados
são evidenciados pela maioria das investigações sobre a psicopatia, o que poderá ser
uma repercussão do passado, sendo que os estudos da psicopatia foram maioritariamente
realizados com indivíduos do sexo masculino, existindo, por conseguinte, uma menor
quantidade de literatura relacionada com o sexo feminino (). No entanto, atualmente, existe um evidente aumento da inclusão do sexo feminino
em estudos em torno da psicopatia ().
No que diz respeito aos resultados da regressão, os mesmos sugerem que a presença
de um estilo de vida desviante prediz positivamente o consumo, pese embora este resultado
deva ser analisado com cautela, na medida que se trata de um estudo transversal. Conforme
já foi referido anteriormente, o estudo de realizado junto de estudantes universitários foi verificado que o consumo de álcool
e o uso de substâncias surgem associadas a traços de desvio social e desinibição.
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
A relevância da presente investigação assenta na clarificação e ampliação dos conhecimentos
teóricos e empíricos acerca da relação entre o uso de substâncias e a existência de
traços psicopáticos numa amostra de estudantes universitários. Os resultados obtidos
sugerem a associação entre o consumo e os traços psicopáticos, o que reforça a importância
da deteção precoce de comportamentos aditivos por partes dos jovens, os quais podem
desencadear, agravar e intensificar os traços associados à psicopatia. De igual modo,
salientam a importância de um diagnóstico precoce acerca dos traços de psicopatia
que possam estar presentes nos indivíduos, realçando que esta temática não se limita
somente a amostras prisionais ou forenses, mas também a amostras não clínicas. Relativamente
ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, parece-nos que as universidades deveriam
apostar no desenvolvimento de uma ampla variedade de planos de intervenção e prevenção
a nível individual, coletivo e universitário, criando para o efeito programas de formação
e cursos de aconselhamento sobre promoção de estilos de vida saudáveis, sensibilizando
para o impacto e repercussões do consumo de drogas na qualidade de vida, desenvolvidos
por profissionais e especialistas universitários nesta área.
Face ao exposto, espera-se que os resultados obtidos e as conclusões possam de alguma
maneira contribuir para uma consciencialização acerca dos comportamentos de risco
relativos ao consumo e para a importância de sintomas de possíveis traços psicopáticos
presentes nos jovens adultos.
Entre as limitações do presente estudo salienta-se o facto de ser um estudo de caráter
transversal, recolhido num único momento, impossibilitando o estabelecimento de relações
de causalidade. Outra limitação refere-se ao recurso de instrumentos de autorrelato,
passíveis de enviesamento pelo risco de respostas sem uma reflexão pessoal. Sublinha-se,
ainda, a discrepância existente do número dos jovens universitários do sexo feminino
comparativamente ao sexo masculino que constituem a amostra. Por último, os dados
recolhidos reportam a outubro de 2019, tendo assim decorrido 4 anos até à sua publicação.
É de assinalar que poderão existir diferenças ou mudanças nos mesmos, dado tratar-se
de um estudo pré-pandemia.
Para investigações futuras, tornar-se-ia importante desenvolver mais estudos de caráter
longitudinal, principalmente para o consumo de substâncias, o que possibilitaria uma
comparação dos resultados obtidos em diferentes períodos de tempo, poderia evidenciar
novas informações acerca do tema e poderia permitir perceber se os resultados obtidos
mudam consoante as diferentes fases de vida vividas. Além disso, seria interessante
realizar um estudo com indivíduos de outra faixa etária, nomeadamente adolescentes.
Para completar o presente estudo seria pertinente perceber, de forma mais explícita,
o consumo por partes dos jovens, designadamente os diferentes tipos de substâncias
ilícitas consumidas pelos jovens, em que proporção e circunstâncias.
Conclusão
Os resultados obtidos na presente investigação permitem verificar uma associação entre
as variáveis consumo e psicopatia, como seria de prever pela literatura. O que leva
a concluir que existe uma associação entre a psicopatia e o uso de substâncias, podendo
repercutir fatores de risco pelo facto de ambas possuírem consequências como uso de
substâncias ilícitas, comportamentos impulsivos e possíveis envolvimentos em atividades
criminosas ().
No presente estudo, denota-se ainda um consumo ligeiramente superior por parte do
sexo masculino quando comparado ao sexo feminino. Esses resultados vão ao encontro
da literatura recolhida e, nesse sentido, é possível presumir que, na presente investigação,
o sexo masculino parece estar mais predisposto a consumir substâncias, comparativamente
ao sexo feminino. Por sua vez, na psicopatia, o sexo masculino possui uma média amplamente
superior em todas as dimensões quando comparado ao sexo feminino.
Desse modo, torna-se fulcral a importância da deteção precoce de comportamentos aditivos
nos jovens, sendo que as presenças dos últimos podem desencadear, agravar e intensificar
os traços associados à psicopatia (). É ainda importante realizar diagnósticos precoces da presença de traços de psicopatia
nos indivíduos, uma vez que esta problemática não se limita a amostras prisionais
ou forenses, mas também pode ser verificada na população em geral.
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